o sangue

“Porque o presente é todo o passado e todo o futuro” Fernando Pessoa

22.5.07



Sangue, precisa-se: novo





«Cada tempo é diferente; cada lugar é diferente e todos são o mesmo, a mesma coisa. Tudo é agora.»
Octavio Paz

«Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
Fernando Pessoa

«...a mudança é apenas a repetida e sempre diferente metáfora da identidade
Octavio Paz





Em tempos de auge, a conjectura de que a existência do homem é uma quantidade constante, invariável, pode entristecer ou irritar; em tempos de declínio (como estes), é a promessa de que nenhum opróbrio, nenhuma calamidade, nenhum ditador poderá empobrecer-nos.

A política é um caso extremo e quase absurdo da ausência de liberdade, responsabilidade e respeito em Portugal. Um país onde, para além de não se decidir nem se assumirem as consequências dos actos consumados, se coarcta as possibilidades de agir. Na sua teoria, e mais ainda na sua prática, a realização política determina-se como uma concepção do progresso que de modo algum se relaciona com o real, antes apresentando uma pretensão dogmática.

Quando se compreende a política na perspectiva de funcionários, dos que têm de sobreviver às mudanças das situações num dado momento e que, pressionados por esse instinto, não hesitam em esquecer as suas convicções, os seus projectos e as suas ideias quando isso lhes é útil, só se pode ter uma assunção da política como a execução do que é praticável. Esquecendo-se, assim, que a realização política só tem valor na medida em que vibrem nela os reflexos do futuro.

Distante de ser a tradução do que pode ser, a política é a aplicação do que é inevitável, é a identificação do que tem de ser realizado, mesmo que exista quem não o saiba e só venha a reconhecê-lo depois. A acção do político é a procura do que é necessário e a determinação para fazer o que não pode ser de outro modo, nem deixar de se produzir.


Pela sua essência, a política é uma actividade de liberdade e apenas deste modo tem sentido reclamar-lhe a obrigação de traduzir-se por actos úteis e lógicos, para que a política não tenda a confundir-se com as variações oportunistas dos que esquecem o que declaram, na vazia glória de governar. E o admirável mundo novo da política é mesmo a aplicação do que se afasta da norma, a capacidade para apontar como necessário o que ninguém tinha visto antes.


Assim, qualquer político terá que conseguir antecipar pensamentos, acções e consequências, aprendendo através da observação e do instinto, apurados pela experiência. E a antecipação implica uma margem de risco que será aceite por um verdadeiro político, o qual preferirá o empenhamento total e travar uma luta pelas coisa brutas e materiais, sem as quais nada existe de refinado e espiritual, à comodidade da sua segurança pessoal.


Recorde-se que quem é fraco só se empenha quando os ventos correm de feição. Mas quem é forte insiste e avança vencendo a contrariedade, o desencanto e até o isolamento. Pois é decisivo compreender que o mais importante não é forçar a ordem natural dos acontecimentos, mas sim conseguir provocá-los de modo seguro e amadurecido.


Deste modo, apesar da intimidade de comunicações também nós nos encontramos ainda politicamente organizados inteiramente em termos da exclusiva e absurda obsoleta separação das soberanias. Esta soberania nacional – imposta pela força das armas - à qual se encontram obrigados os homens nascidos nas diferentes terras, leva a uma sujeição cada vez mais severamente especializada e a uma classificação por identidades altamente personalizada.


Como consequência desta escravizante ordem, perguntas cientificamente ilógicas e totalmente desprovidas de sentido, como ‘De que nacionalidade?’, ‘De que raça?’, ‘De que religião?’, ‘O que és?’, ‘Onde moras?’, são hoje ainda consideradas perguntas lógicas. No entanto, a humanidade tem de perceber que essas questões são absurdas e anti-evolucionárias, porque não se vive duas vezes, e assim é no mundo inteiro, seja onde for.


A sociedade futura tem, então, de renunciar a pretender adaptar pela força a natureza humana às instituições da sociedade civilizada. São as instituições que têm de mudar e se adaptar aos homens.





Gonçalo Felino